05/05 – Pesquisa revela descontrole financeiro dos jovens brasileiros

No segundo ano da faculdade de Administração Pública, Samira Ferreira, de 21 anos, aprendeu de um jeito dolorido o que é déficit. Hoje, sua dívida pessoal soma R$ 50 mil, metade com o banco, outra parte com a instituição de ensino.

“Minha dívida cresce para que eu possa estudar”, diz ela, que está com o nome sujo e não sabe o que fazer para resolver a situação.

“Tenho de me concentrar em uma coisa por vez, mas espero que isso não me prejudique lá na frente.”

A situação de Samira não é muito diferente de parte de seus amigos. Histórias que, agora, ganham contornos por meio de um levantamento inédito feito pela Câmara Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo birô de crédito SPC Serasa.

As instituições mapearam a situação financeira dos brasileiros entre 18 e 24 anos, que dão os primeiros passos profissionais.

Atualmente, 4 entre 10 jovens estão ou já estiveram com o nome sujo. O principal motivo é a necessidade de contribuir com as despesas domésticas, associado ao descontrole com as finanças pessoais.

Dos entrevistados, 78% possuem alguma fonte de renda, sendo que 65% afirmam contribuir financeiramente para o sustento da casa. O principal comprometimento é com a alimentação (51%).

A pesquisa ouviu 801 jovens, entre homens e mulheres de todo o Brasil, de 20 de fevereiro a 6 de março.

O endividamento da moçada não é muito diferente do resto dos brasileiros mais velhos, já que 40% da população total do País terminou 2018 endividada, segundo a CNDL. Mas é mais preocupante, pois indica que as gerações mais novas não vêm sendo educadas financeiramente – e o problema tende a persistir.

“É necessário realizar algum tipo de política pública para aumentar a educação financeira dessa população”, diz Daniel Sakamoto, gerente de projetos da CNDL.

DESEMPREGO

Pelo fato de o estudo ter sido o primeiro a ser realizado com esse corte de faixa etária, é difícil inferir o impacto da crise econômica nessa população. Ou do desemprego, que chega a 30% entre os jovens, ante 13% da população geral.

“Não há parâmetros de comparação, mas com certeza as famílias enfrentam agora alto desemprego e gargalo de consumo”, diz.

“Exatamente por isso, o jovem precisa contribuir mais com as contas de casa, o que aumentou o problema.”

Samira, por exemplo, toma emprestado R$ 7 mil por semestre da instituição de ensino, como parte do programa de bolsa de estudos. É com esse valor que ela paga o aluguel da república na qual mora (R$ 650 por mês), cobre os gastos com alimentação, transporte e, de vez em quando, ajuda os pais, que moram em São José dos Campos (SP).

“Estudo em período integral e não consigo trabalhar, faço apenas alguns bicos durante as férias”, diz.

No fim de semana antes do feriado de 1.º de maio, ela trabalhou na sorveteria do pai de uma amiga em Ubatuba para conseguir um dinheiro extra.

“Minha família precisa de mim, tenho de ajudar.”

Para Guilherme Prado, presidente do Bem Gasto, projeto de educação financeira nascido no Insper, além de trabalharem para completar o orçamento doméstico, os jovens entram no mundo adulto sem referências de como e onde gerenciar os novos recursos.

“O descontrole financeiro dos jovens é, no momento, um grande problema nacional e sem atenção devida das autoridades”, afirma Prado.

Segundo ele, o objetivo inicial do Bem Gasto era atender às comunidades carentes com técnicas de planejamento financeiro.

“Neste ano, por conta da realidade que encontramos em nossas caminhadas pelo Brasil, resolvemos redirecionar a atuação para os jovens, justamente entre 18 e 24 anos”, afirma.

Para ele, falar de dinheiro é um tabu dentro de casa.

“Os pais não dizem quanto ganham nem para seus companheiros”, diz.

“Quando o filho começa a trabalhar, não faz a menor ideia do que fazer com o dinheiro. Só sabe que quer comprar um celular e trocar de tênis.”

Dados da pesquisa mostram que, entre as dívidas de longo prazo, 26% dos jovens que se declaram endividados estão comprometidos com pagamentos de crediários e carnês, 21% têm parte do orçamento destinado à amortização de empréstimos pessoais e consignados e outros 21% tentam quitar as parcelas de financiamento para automóveis.

“O que identificamos é que, com a crise, eles precisam ajudar em casa e acabam se enrolando com esses gastos de longo prazo”, diz Sakamoto.

INVESTIMENTOS

Sem educação financeira e cultura de investimento, a moçada que consegue guardar dinheiro se inspira pouco nas opções mais arrojadas disponíveis no mercado.

Caderneta de poupança, conta corrente e até o colchão são os lugares preferidos por quem tem entre 18 e 24 anos e reserva parte do que ganha para o futuro.

Entre os entrevistados da CNDL, 52% guardam dinheiro. A proporção é maior principalmente entre homens, das classe A e B: chega a 67,5%.

A opção de investimento favorita dos jovens é a poupança, com a preferência de 52,8% dos entrevistados. Em termos de rentabilidade, o produto ficou em último lugar no ranking de investimentos de abril, com retorno de 4,55% ao ano.

A segunda forma preferida da moçada para guardar dinheiro é a própria casa, embaixo do colchão. É a opção de 24,6%, seguida pela conta corrente, mencionada por 20,2%. São escolhas que não protegem o dinheiro nem sequer da inflação, que em 12 meses está em 4,58%.

“Já guardei dinheiro em casa, para controlar melhor o quanto eu gastava”, diz Sidnei Campos, de 21 anos.”No banco, ia gastando no cartão e perdi o controle.”

Estagiário de Direito, ele estourou o limite de R$ 2 mil que tinha no cartão de crédito no ano passado. “Sou o cara mais ‘gastão’ que conheço”, diz.

Para a coordenadora do curso de Economia do Insper, Juliana Inhasz, a situação cria um passivo nacional para o curto prazo.

“Os jovens não fazem ideia de como isso vai ter impacto em sua vida lá na frente, com taxas de juros maiores em financiamento, principalmente agora com a lei do cadastro positivo, que terá uma lembrança maior da vida financeira dos brasileiros”, diz.

Assim como Samira Ferreira, que hoje tem dívidas por estudar em tempo integral que somam R$ 50 mil, a estudante Juliana da Paz também recorre a bicos para completar o orçamento e pagar o aluguel da casa que divide com quatro pessoas.

“Gasto mais do que ganho e todo mês entro no cheque especial.”



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