DEPOIMENTO DA MÃE SIMBOLO 2017

Ivone Spinelli dos Santos

Hoje é dia 04 de maio de 2017.

Estou com 69 anos.

A minha história começa aos 5 anos. Nasci no dia 15/09/1947, então estávamos no ano de 1952, só me lembro deste ano para frente.

Estava sentada com meu irmão Roberto, segurando a minha mão, ele chorava muito e eu estava com os olhos bem abertos, bem assustada. Bem, depois de muitas e muitas horas alguém veio e separou a gente, nunca mais vi o meu irmão.

Após 25 anos fui apresentada a minha família, meu irmão já era um homem grande, moreno e muito bonito, ele nasceu no dia 09/12/1943.

Quando eu soube, o Roberto, meu irmão, estava no orfanato e eu também, só que em lugares diferentes.

O orfanato que eu estava era em São Paulo, no Bairro de Santana. O colégio tinha o nome de Sant’Ana.

Este orfanato era muito grande, havia um portão de ferro tão grande e pesado que precisava de duas pessoas para abrir, este portão era todo trabalhado em  losangos, os muros eram de pedras, com altura de 10 metros, parecia um castelo.

Quando entravamos havia uma grande escada, na frente do orfanato estava a estátua de Nossa Senhora com muitas flores, com rosas de todas as cores e hortênsias, havia um grande gramado, bem cuidado, onde há cada 3 metros tinha uma grande árvore, tipo chorão.

Atrás da estátua de Nossa Senhora, havia duas escadas bem grandes, uma de cada lado. No meio havia uma espécie de capela que tinha alguns bancos com muitas flores com cores maravilhosas, um cheiro muito bom, vem dai o meu amor por flores.

Ao subir estas escadas, havia uma grande porta marrom escura, esta porta era toda em desenhos geométricos. Ao abrir a porta tinha uma grande sala com uma mesa também marrom escura, cadeiras tipo poltronas e uma freira sentada vestida de roupa marrom escuro com um enorme terço no pescoço e, na cintura um cordão, muitas chaves penduradas que quando ela andava faziam um grande barulho, assustador. Eu era muito pequena, vem dai eu não gostar de marrom.

Bem, já estava com 10 anos e nunca recebia visitas, nos finais de semana só eu ficava sozinha no colégio.

Um dia já com 10 anos a minha mãe biológica apareceu com um homem muito bem vestido de terno e com um carro muito grande, minha mãe também estava bem vestida e me levou para outra escola, uma escola bem bonita na cidade de São Roque, onde as freiras usavam chapéu branco com colete branco e saias pretas.

Neste colégio eu tinha que estudar muito, havia português, matemática, história, geografia, ciências, música, artes e línguas – latim e francês.

Nas aulas de etiqueta tínhamos que usar chapéu e luvas.

Quando estava com 16 anos, minha mãe apareceu com este homem e pediu que eu o chamasse de tio Miguel, corretor da bolsa de valores e advogado.

Fui morar em São Paulo, na Rua do Arouche, entre a Praça da República e o Largo do Arouche e fui estudar no colégio Caetano de Campos na Praça da República, hoje secretaria de educação.

Ai começou meu sofrimento, pois me tornei uma linda moça, mas muito inocente, pura mesmo.

No outro dia, minha mãe foi trabalhar em um grande cinema, onde era recepcionista. O “tio Miguel” falou para mim: “Vem deitar aqui, que está muito frio” lá fui na inocência,  quando ele começou a passar a mão em meu corpo. Mas Deus é maravilhoso, foi quando sai correndo até o 7° andar onde morava uma amiga e o irmão dela, ele me trancou no apartamento deles e não me deixou sair até minha mãe chegar.

Minha mãe não acreditou em mim, depois contei para um tio, irmão da minha mãe, nisso já estava com quase 18 anos e este tio me levou para morar com ele. Quando eu tinha 18 anos ele alugou um apartamento no mesmo prédio onde ele era síndico, então, fui morar sozinha, com medo e sem nada.

Meu tio me ajudou muito, arrumou cama, fogão, enfim, mobiliou o apartamento e eu arrumei um emprego em um posto de gasolina, como auxiliar de escritório. Começou um verdadeiro sofrimento. Namorei, noivei e casei em 1 ano e meio. Estava com 23 anos, foi um casamento bem simples mas com vestido branco e bolo, sem viagem, pois eu tinha que trabalhar e ele também.

Compramos um apartamento, demos uma entrada e estávamos pagando um pouco por mês. Após três meses de casados, minha mãe ficou muito doente e meu irmão não podia tomar conta dela, então a levei para morar conosco. Vendemos o apartamento e compramos uma casa em um bairro bem simples, bem perto das irmãs dele. Neste tempo eu já havia perdido uma filha, passei por uma cesariana de emergência e a criança nasceu com problemas no cérebro e viveu apenas três meses.

Após dois anos tive outra filha, também através de uma cesariana muito difícil. Nasceu e morreu com quase oito meses, foi internada com broncopneumonia e na época o hospital estava com contaminação de meningite, morreram todas as as crianças que estavam no hospital, inclusive, duas enfermeiras.

Fiquei muito mal, fui embora de São Paulo. Vendi a minha casa e fui morar em Ribeirão Preto, onde tive que fazer um tratamento muito difícil no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

Novamente engravidei e nasceu meu filho, Hideraldo, bem grande e sadio.

Mas o meu marido bebia muito, e perdemos tudo, ele abandou a gente e veio morar em Amparo com a família dele.

Aqui em Amparo, sofri muito, não acreditava em mais nada, apenas na minha mãe. Quando ela ficou doente, precisou operar em São Paulo, sofri, pois meu marido me maltratou muito e me obrigou a coloca-la em um sanatório e depois em um asilo, de onde ela foi para um hospital e veio a falecer.

Durante este tempo de sofrimento com bebidas, mulheres, jogos nasceu a minha filha Luana, foi a minha salvação, ela me deu forças para criar meus filhos.

Fiquei muito pobre, sempre mudando de casa em casa, para lá e para cá, sempre sozinha, sem a família dele e nem a minha, pois eu só tinha um irmão que vivia em São Paulo com muitas dificuldades, pois a mulher dele morreu, deixando dois filhos pequenos.

Hoje, meu filho Hideraldo já é um moço (40) e também a minha filha Luana (33) uma linda moça, muito parecida com a minha mãe.

Meu marido hoje é um homem doente, necessita de cuidados, teve um derrame isquêmico, tem o lado esquerdo do corpo torto e dificuldade para andar. Também teve mais dois leves derrames, de tanto beber. Teve também câncer de próstata, fez quase 40 radioterapias.

Bem, eu estou lutando com a vida, hoje tenho diabetes, hipertensão, mas estou bem.

Estou cuidando dele como eu posso, não sou revoltada com a mortes das filhas, pois sei que são anjos e estão com Deus.

Não tenho nada materialmente, nem carro, nem casa, mas não sou triste, meu maior sonho é poder ouvir música e dançar sozinha em casa.

Sonho em entrar em uma escola de dança de salão, mas, apenas sonho.

O meu maior sonho é poder ter os dentes melhores, pois eles saem da boca quando como ou falo, só isso que eu quero.

Agradeço a Deus por nunca ter passado fome ou frio, aprendi a lutar com fé!

Neste colégio, tive todas as doenças que uma criança tem, como sarampo, dor de garganta, febre. E ficava sozinha na enfermaria, não podia chorar que as freiras nos colocavam de castigo em frente ao altar de Jesus. Na minha infância eu acreditava que Jesus todo cheio de sangue vinha pegar a gente.